A nova forma de execução na recuperação judicial e falência das empresas

             Em 2021 faz 16 anos que entrou em vigor a Lei que trata da recuperação judicial/falência (Lei11.101/2005), sendo que de lá para cá, no âmbito trabalhista sempre houve muita resistência para reconhecer o juízo universal como a jurisdição para a universalização dos pagamentos.

                   Inquestionável que o crédito trabalhista tem natureza diferenciada (alimentar), e deve gozar da maior agilidade possível para a efetivação deste direito.

                Nesta linha de raciocínio, várias decisões monocráticas, e até mesmo colegiadas proferidas pelos Tribunais Regionais e pelo Tribunal Superior do Trabalho, vinham admitindo que a execução pudesse ocorrer na Justiça do Trabalho, mesmo estando em curso a recuperação judicial/falência.

                A matéria vinha sendo debatida de forma incessante, por falta de uma precisão legal mais apurada, dando margem a muitas interpretações, e gerando insegurança jurídica, já que para casos semelhantes era comum ver decisões opostas, proferidas por juízes diferentes.

              Ainda no final do ano de 2009, o STF julgou um tema de repercussão geral (90 – Competência para processar e julgar a execução de créditos trabalhistas no caso de empresa em fase de recuperação judicial) que já sinalizava.

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS EM PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL COMUM, COM EXCLUSÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO DO DISPOSTO NA LEI 11.101/05, EM FACE DO ART. 114 DA CF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E IMPROVIDO. I – A questão central debatida no presente recurso consiste em saber qual o juízo competente para processar e julgar a execução dos créditos trabalhistas no caso de empresa em fase de recuperação judicial. II – Na vigência do Decreto-lei 7.661/1945 consolidou-se o entendimento de que a competência para executar os créditos ora discutidos é da Justiça Estadual Comum, sendo essa também a regra adotada pela Lei 11.101/05. III – O inc. IX do art. 114 da Constituição Federal apenas outorgou ao legislador ordinário a faculdade de submeter à competência da Justiça Laboral outras controvérsias, além daquelas taxativamente estabelecidas nos incisos anteriores, desde que decorrentes da relação de trabalho. IV – O texto constitucional não o obrigou a fazê-lo, deixando ao seu alvedrio a avaliação das hipóteses em que se afigure conveniente o julgamento pela Justiça do Trabalho, à luz das peculiaridades das situações que pretende regrar. V – A opção do legislador infraconstitucional foi manter o regime anterior de execução dos créditos trabalhistas pelo juízo universal da falência, sem prejuízo da competência da Justiça Laboral quanto ao julgamento do processo de conhecimento. VI – Recurso extraordinário conhecido e improvido” (STF, RE 583955, Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento: 28/05/2009, Publicação: 28/08/2009)”

                   E, para buscar apaziguar esta diversidade de entendimentos e divergências, em dezembro de 2020 foi publicada a Lei 14.112/2020, que busca pacificar discussão sobre o assunto.

                     A nova redação legal agora prevê:

Art. 6º. A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:

II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;

III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.”

                  Por meio do inciso 2º, do art. 6º, está claro que deve ocorrer a suspensão das execuções que estão em curso contra a recuperação judicial/falência, posto que as discussões quanto a valores, modo de pagamento, preferência, etc., devem ser tratadas no juízo universal.

                Já o inciso 3º do mesmo artigo, deixa claro que está proibido de qualquer forma a “… retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais …”

                   É bom lembrar que a suspensão ou a proibição de atos de execução não é por tempo indeterminado, já que deve observar o plano da recuperação judicial ou o prazo referido no § 4º, do art. 56, da Lei 11.101/2005 (rejeição do plano apresentado com convocação de assembleia geral dos credores).

                  Até então, na esfera trabalhista, era muito comum um determinado juízo ter um posicionamento em prol da agilidade no pagamento do crédito alimentar, e acabar determinando penhora nas contas da empresa que estava com a recuperação judicial/falência em plena tramitação no juízo cível.

                   Não raro, era comum ver também determinado juízo praticar atos de restrição do patrimônio, como usar o sistema integrado existente com os DETRAN’s, para colocar restrição de circulação e transferência nos veículos, e no caso dos bens imóveis, também registrar restrições nas matrículas destes, por meio dos convênios com os Cartórios.

                   Inegável que situações como esta conflitavam até mesmo com as decisões do juízo universal, que por vezes autorizava a venda de um bem para o pagamento das dívidas, mas diante de outras restrições colocadas em demandas trabalhistas, o bem continuava restrito, arrastando a discussão sem efetivação.

                   Aqui não se vislumbra discutir se o crédito trabalhista está sendo ‘desmerecido’ ou não, mas o fato é que a existência de um juízo universal, no qual as regras de pagamento devem ser aplicadas igualmente para todos, com critérios prévios, aprovados pelos credores dentro dos parâmetros legais (incluindo o privilégio do crédito trabalhista) deve ser uma primazia.

                 No âmbito trabalhista, desprezar o juízo universal e praticar atos de execução em cada processo trabalhista, separadamente, gera outra insegurança e injustiça, pois privilegia quem ‘chegou primeiro na execução’, dando margem até mesmo para outros tipos de fraude.

Goiânia, fevereiro/2021.

Rafael Martins Cortez

Advogado e assessor jurídico e empresarial

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